quarta-feira, 14 de agosto de 2013

O NARRADOR, de Walter Benjamin(resenha)


A jornalista Sandra Guimarães resenhou o texto "O narrador", de Walter Benjamin e publicou. Vejamos, pois.

Veja o que esclarece Walter Benjamin: "Contar histórias sempre foi a arte de contá-las de novo, e ela se perde quando as histórias não são mais conservadas. Ela se perde porque ninguém mais fia ou tece enquanto ouve a história. Quanto mais o ouvinte se esquece de si mesmo, mais profundamente se grava nele o que é ouvido. Quando o ritmo do trabalho se apodera dele, ele escuta as histórias de tal maneira que adquire espontaneamente o dom de narrá-las."

Walter Benjamin nasceu em Berlim, em julho de 1892. Além de filósofo, foi sociólogo e crítico literário. Grande estudioso das transformações sofridas pelas obras de arte ao longo da modernidade, em 1936, na tentativa de resgatar as nuances de uma arte que, para ele, corria o risco de desaparecer com o tempo - a arte de contar histórias - publicaria o artigo intitulado O narrador. Um texto no qual, com muita delicadeza e sensibilidade, parte da obra do escritor russo Leskov, para defender a ideia de que “a arte de narrar ‘estaria’ em vias de extinção”. Para Benjamin, o que tornava cada vez mais raro encontrarmos pessoas capazes de narrar histórias era o fato de que - em um mundo individualista, onde a poesia épica havia cedido lugar ao romance - o homem vinha, gradativamente, perdendo a capacidade de intercambiar experiências: “A experiência que passa de pessoa a pessoa é a fonte a que recorrem todos os narradores. E, entre as narrativas escritas, as melhores são as que menos se distinguem das histórias orais contadas pelos inúmeros narradores anônimos.”

Buscando os modelos arcaicos que serviram de molde para gerações de narradores, Benjamin se depara com o marinheiro comerciante e o camponês sedentário. Juntos, formavam um sistema corporativo de mestres em contar histórias no qual se reuniam “o saber das terras distantes, trazido para casa pelos migrantes, com o saber do passado, recolhido pelo trabalhador sedentário.” Assim edificada, sobre a tradição oral e tendo como principais alicerces a sutileza necessária para dar conselhos e a faculdade de eternizar a sabedoria – uma vez em um universo no qual, soldados voltavam mudos dos campos de batalha, visto que a vivência do combate os tornara pobres em experiências comunicáveis, enquanto uma enxurrada de livros tratavam da guerra, de forma bem diversa dos relatos orais – a arte de narrar estaria, necessariamente, fadada à extinção.

Nesse sentido, Benjamin destaca os dois principais trilhos que conduziram a narrativa a esse estado de agonia : o romance e a informação. Para o escritor, o romance floresce justamente quando o indivíduo segrega-se. Como não se alimenta da tradição oral, está ligado ao livro, ele é produto de um universo em que o isolamento força o narrador a abster-se dos gestos e não permite mais que ele incorpore à narrativa as experiências dos ouvintes. E ainda, tão estranha à narrativa quanto o romance, a informação representa uma ameaça bem mais contundente, visto que provoca uma crise no próprio romance. Produto da consolidação da burguesia, que tem na imprensa um dos seus principais instrumentos, ela se concentra nos acontecimentos próximos em detrimento da propagação do saber ancestral. A proximidade temporal dos seus relatos, que exige uma atualização constante dos fatos, acaba por torná-la rapidamente descartável.
Para Benjamin, portanto, a arte de narrar se esvai, quando se retira do texto o seu caráter artesanal, que permite o aprendizado a partir de uma troca de experiências vividas. Para ele: a narrativa “não está interessada em transmitir o ‘puro em si’ da coisa narrada como uma informação ou um relatório. Ela mergulha a coisa na vida do narrador para em seguida retirá-la dele. Assim se imprime na narrativa a marca do narrador, como a mão do oleiro na argila do vaso.”


Sandra Regina Guimarães

Jornalista, publicitária e tradutora. Possui mestrado em Literatura francesa pela Universidade federal Fluminense – UFF e doutorado em Literatura Comparada (em regime de cotutela) pela Universidade federal Fluminense – UFF e a Université Sorbonne Nouvelle – ParisIII. Atua na área de Letras e Comunicação e trabalha, principalmente, com os seguintes temas: os limites entre realidade e ficção, censura, ditadura, literatura e jornalismo.

12/06/2012
Texto disponível em: http://www.catedra.pucrio.br/portal/sitiodaleitura/pesquisa/biblioteca_tematica/conteudo/?/983/.html%22

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